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08/01/2018

Compreenda o Oriente Médio e seus conflitos nesta Lista de 10 Livros, indicados pelo Prof. Dr. Ramez Philippe Maalouf

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Compreenda o Oriente Médio e seus conflitos nesta Lista de 10 Livros sobre o tema, indicados especialmente  para o Acervo do Conhecimento Histórico, pelo Prof. Dr. Ramez Philippe Maalouf.
Lista de Livros sobre Oriente Médio.
Ramez Philippe Maalouf
Mestre e doutor em Geografia Humana pela USP e especialista em História das Relações Internacionais pela UERJ

Compreender o Oriente Médio, sua história multimilenar e sua geografia, sobretudo, tem despertado a curiosidade de muitas pessoas, dentro e fora da academia. O objetivo dessa lista de livros, dedicada especialmente aos integrantes da comunidade do ACERVO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO, é fazer com que o público conheça obras relevantes sobre o tema publicados em língua portuguesa.

É sabido que a maior parte das pesquisas sobre o Oriente Médio lançadas no chamado Ocidente (mundo anglo-saxão e Europa) não são publicadas em língua portuguesa no Brasil deliberadamente, pois não se pode justificar tal atitude das editoras alegando uma suposta falta de curiosidade do público brasileiro. Pelo contrário, as mesmas obras lançados nos mercados ocidentais são em grande parte editadas em língua castelhana no mundo hispânico, especialmente na América Latina. Nada justifica, portanto, a verdadeira censura não declarada imposta pelas editoras brasileiras às obras baseadas em pesquisas acadêmicas sobre o Oriente Médio e outras regiões do chamado Terceiro Mundo.

O critério para a avaliação desses livros não é dado pela filiação ideológica ou política do autor, mas, sim, pela qualidade da informação fornecida pela obra. Dessa forma, nessa lista encontram-se autores das mais diversas formações acadêmicas e filiações partidárias e ou ideológicas. É preciso ressaltar que, como o cientista social Max Weber nos advertiu há cerca de um século, não existe obra científica "neutra", "isenta" ou "independente". Fazer uma avaliação nesses termos só desqualifica o avaliador. Toda obra é parcial. O que precisa ser exigido numa pesquisa científica é a capacidade de uma teoria explicar o maior número de acontecimentos.

Eis aqui, portanto, uma lista de livros que ajudará o leitor a ter uma compreensão mais complexa dos atuais acontecimentos no Oriente Médio numa linguagem simples e acessível. A ordem da lista de livros é alfabética, pelo sobrenome do autor. Ao lado do título, há um pequeno comentário sobre a relevância da obra.

1. BISSIO, Beatriz. O mundo falava árabe: a civilização árabe-islâmica clássica através da obra de Ibn Khaldun e Ibn Battuta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. A obra da professora de Ciências Políticas da UFRJ é baseada na sua tese de doutorado Percepções do Espaço no Medievo Islâmico (século XIV) - o exemplo de Ibn Khaldun e Ibn Battuta, defendida na UFF, em 2008. Tem como mérito resgatar o pensamento de dois dos mais importantes pensadores árabes do primeiro milênio de existência do Islã, no exato momento em que ocorria uma inflexão na Europa e no mundo muçulmano, sobretudo, em sua porção ocidental. Enquanto as sociedades muçulmanas situadas entre o norte da África e o sul da Península Ibérica se desestabilizavam por causa dos constantes choques com o expansionismo militar das cidades itálicas e do Reino de Aragão no Mediterrâneo, os europeus, já tendo assimilado o conhecimento trazido pelos muçulmanos, encontravam-se no apogeu do pensamento escolástico (em decorrência dessa contribuição islâmica), ao mesmo tempo em que na Itália se davam os primeiros passos para a eclosão do movimento artístico, cultural e intelectual denominado de Renascimento. A historiadora Beatriz Bissio resgata, nessa obra, as reflexões de Ibn Khaldun e Ibn Battuta sobre o que presenciaram e vivenciaram nesse momento de profunda crise no mundo muçulmano. Leitura obrigatória.

2. DUTRA JR, José Ailton. O Líbano e o nacionalismo árabe, 1952-67: o nasserismo como projeto para o mundo árabe e o seu impacto no Líbano. São Paulo: Editora Biblioteca 24 horas, 2016. Mais uma obra acadêmica transformada em livro. A dissertação de mestrado em História Econômica da USP de Dutra Jr., defendida em 2014, é uma obra instigante fundamentada em pesquisa exaustiva de dados econômicos, sociais e políticos sobre o Líbano. A análise histórica do autor revela como o Líbano foi criado pelo domínio colonial francês para favorecer uma comunidade religiosa do Monte Líbano, os cristãos maronitas, que não se consideravam árabes e até se identificavam como “ocidentais”. O autor examina como a proeminência dos cristãos maronitas na política e na economia no Estado libanês, com a defesa intransigente do Liberalismo e do Ocidente, vai se confrontar com a arrebatadora ascensão do nacionalismo árabe, especialmente após a ascensão do governo revolucionário dos Oficiais Livres no Egito, no início da década de 1950, sob a liderança carismática do coronel Gamal Abdel Nasser, e como essas duas visões de mundo desestabilizaram o “País dos Cedros”. Por tabela, a obra fornece elementos para compreendermos processos complexos de modernização sem revolução (algo nenhum pouco estranho ao Brasil e demais países periféricos do "Ocidente"), desqualificando as teses orientalistas sobre as relações entre o mundo árabe-muçulmano, a Modernidade e o Capitalismo.

3. FELDBERG, Samuel. Estados Unidos e Israel: uma aliança em questão. São Paulo: Hucitec, 2008. (Relações Internacionais, 10). A obra, também, resultante de uma tese de doutorado em Ciências Políticas da USP defendida Samuel Feldberg, em 2008, põe em xeque a "aliança natural" entre os EUA e Israel através de uma excelente análise das relações internacionais no Oriente Médio, entre as décadas de 1950 e 1970, sem deixar de lado o contexto mundial da Guerra Fria (1945-90). O período compreendido entre a fundação de Israel, em 1949, e a Guerra do Yom Kippur / Ramadã (1973-74) é marcado pela decadência do domínio imperialista da Inglaterra e da França sobre o sudoeste asiático e o norte da África, fazendo com que os EUA e a URSS preenchessem o “vazio de poder” deixado por essas potências europeias. O autor dá especial ênfase à aquisição de poderio nuclear por Israel, mostrando como esse fato foi decisivo para que os EUA passassem a ver o “Estado judeu” como um aliado estratégico e não mais como um estorvo, especialmente após o recrudescimento da guerra no Vietnã concomitante com a aproximação do Egito com a URSS (o maior fornecedor de armas e dinheiro para o governo socialista do Vietnã do Norte). Por tabela, o livro mostra a trajetória do Egito, que saiu da esfera de influência soviética e dos postos de liderança do mundo árabe e do Movimento dos Países Não-alinhados, após a Revolução dos “Oficiais Livres” em 1952, para ser um aliado dos EUA, após a Guerra do Yom Kippur/Ramadã (1973-74), alterando o equilíbrio de poder com os soviéticos na região.

4. GOWAN, Peter. A roleta global: uma aposta faustiana de Washington para a dominação do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2003. O livro foi lançado no Brasil em 2003, quatro anos após o precoce falecimento do politólogo e ex-editor da New Left Review. O livro não é sobre o Oriente Médio. É sobre a construção da hegemonia neoliberal pelos EUA a partir do início da década de 1970. O autor dedica, com isso, um capítulo ao Iraque, cuja história ele articula com o fim do Socialismo na Europa Oriental e com as mudanças profundas nas finanças mundiais impulsionadas pelos EUA no período mencionado, constituindo aquilo que vulgarmente passou a ser chamado de “globalização” (sic). Gowan faz uma crítica à narrativa liberal (aceita acriticamente por amplos setores da chamada “esquerda brasileira”) usada como justificativa para o ataque ianque ao Iraque, em 1991, sob o pretexto de libertar o Kuwait, sem resvalar para reducionismos e maniqueísmos, que outros autores, filiado ao mesmo espectro político do referido politólogo, não conseguiram escapar. Baseando-se em Hanna Batatu, outro autor jamais publicado no Brasil, no capítulo dedicado ao caso iraquiano, o autor traça um rico painel histórico e político do país mesopotâmico em suas quatro décadas de existência revolucionária e soberana, entre 1958 e 1998. Por tabela, o autor, mesmo sem ter vivido o suficiente para testemunhar a destruição definitiva do Iraque pela segunda invasão ianque de 2003, deixa pistas para entendermos os reais motivos de tais agressões imperialistas.

5. PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. A tese do autor levantada nesse livro já havia sido esboçada em UMA HISTÓRIA MODERNA DA PALESTINA, publicado em língua portuguesa em Portugal, em 2007, jamais lançada no Brasil, o que não é nenhuma novidade. Trata-se de um estudo fartamente documentado que comprova a tese de que a expulsão dos mais de 700 mil árabes palestinos da Palestina durante a guerra que levou à fundação de Israel e a destruição da Palestina, entre 1947 e 1949, – a Nakba (catástrofe em árabe) – não foi fruto do "calor da guerra", como defende o historiador Benny Morris, mas, sim, de um projeto e de uma decisão política muito bem elaborada e executada pelas principais lideranças políticas do movimento sionista, sem distinções ideológicas (tanto pela ala direitista, quanto pela dita “esquerdista”), antes, durante e depois da eclosão da guerra. Expulsar os palestinos da Palestina era uma necessidade vital para se fundar um “Estado judeu” com uma população 100% judia – a “purificação” étnica. Por causa desse livro, publicado originalmente em 2008, Ilan Pappé, que era chefe do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Haifa, passou a receber ameaças de morte e foi obrigado a deixar Israel, indo viver na Inglaterra, onde passou a lecionar na Universidade de Exeter.

6. HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. Obra dirigida a um publico leigo, traz um rico e sucinto painel da história dos povos árabes, desde o surgimento do Islã, no século VII d.C. até a Guerra do Golfo, em 1991. A obra não deixa de abordar vários aspectos da vida dos árabes: as instituições sociais, da literatura, as artes, a condição das mulheres, as mudanças demográficas, o surgimento de diversos movimentos religiosos e intelectuais. Este estudo baseado em fontes primárias e pesquisas contemporâneas permite ao leitor compreender como, por um longo período de tempo, os árabes e os povos a eles mesclados e coexistentes formaram um grande império que abrangeu territórios que se estendiam do Estreito de Gibraltar até os confins da Ásia Central, processo concomitante com a formação de uma complexa e refinada civilização. Trata-se de uma obra fundamental para o leitor que deseja iniciar estudos sobre o Oriente Médio. Albert Hourani foi um britânico filho de libaneses que lecionou na Universidade de Oxford entre 1948 e 1979, além de ter sido professor visitante nas universidades de Chicago, Harvard e na Americana de Beirute. Falecido em 1993, foi autor de diversos livros e artigos sobre o Oriente Médio, sendo que somente duas de suas obras foram publicados em língua portuguesa no Brasil, ambos por uma mesma editora: essa obra e O Pensamento Árabe na Era Liberal (1789-1939), lançado em 1995, que traça um painel do ambiente intelectual árabe durante o apogeu do imperialismo europeu, também leitura obrigatória.

7. SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Chegou ao Brasil com 12 anos de atraso. Said é um dos poucos autores árabes traduzidos e publicados no Brasil, certamente um dos principais motivos da completa ignorância encontrada dentro da academia brasileira sobre a região conflagrada, apesar do maior país sul-americano ser habitado por milhões de descendentes de árabes e de africanos de fé muçulmana. Nessa obra clássica, o autor palestino, radicado nos EUA, mostra como uma Europa às vésperas de deslanchar a sua aventura imperialista construiu os conceitos de "Ocidente" e "Oriente", para legitimar o imperialismo, o colonialismo, o racismo e o genocídio que promoveria na Ásia e na África, que levou ao extermínio centenas de milhões de pessoas a partir do século XIX. O "Oriente", lugar a ser colonizado e dominado, é construído como contraponto ao "Ocidente", lugar daqueles que detêm o direito natural e ou divino de dominar a Humanidade. Portanto, ao contrário do que é dito vulgarmente, essa obra prima não versa em seu sentido mais profundo sobre a Questão Palestina, o mundo árabe e o mundo muçulmano, que são usados aqui como estudos de caso, mas, sim, sobre todo o mundo colonizado, e, isso, certamente inclui o Brasil, que, desde o golpe/invasão ianque de 1964, que ser identificar como uma nação "ocidental". Pelo menos, assim o deseja, a burguesia do Brasil e uma grande parte daquilo que passou a se chamar de "esquerda brasileira".

8. SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu. São Paulo: Benvirá, 2011. Obra, que ao lado de outro livro do autor A INVENÇÃO DA TERRA DE ISRAEL, lançada no Brasil pela mesma editora, em 2014, destrói os dois principais mitos construídos para legitimar a fundação do Estado de Israel, entre 1947-49, que acarretou na expulsão de mais de 700 mil árabes palestinos de sua terra natal: o povo judeu e a terra de Israel (Eretz Yisrael): a de que os judeus são um povo e não uma comunidade religiosa com milhões de adeptos das mais diversas origens convertidos; e que os judeus étnicos da Antiguidade, que Sand chama de “judaenses”, nunca foram expulsos pelos romanos, mas, que após a Conquista Árabe (século VII d.C.), esses “judaenses” se mesclaram com árabes e outros povos com quem conviviam, dando origem aos atuais árabes palestinos. Devemos lembrar que Shlomo Sand é professor da Universidade de Tel Aviv. Leitura obrigatória, por sorte, lançada no Brasil.

9. SHLAIM, Avi. A muralha de ferro: Israel e o mundo árabe. Rio de Janeiro: Editora Fissus, 2004. Outra obra histórica escrita por um ex-veterano judeu da guerra dos Seis Dias de 1967, fartamente documentada cujo propósito é demolir os mitos fundadores de Israel. Dessa vez, o alvo da desconstrução é David Ben-Gurion, tido como o pai fundador de Israel, e o movimento trabalhista israelense, do qual ele foi a principal líderança. Shlaim afirma que os trabalhistas israelenses, sob a liderança carismática de Ben-Gurion, considerados como a esquerda do movimento sionista, adotaram, sem muito alarde, as teses expansionistas e militaristas do movimento ultra-direitista filo-fascista do Revisionismo maximalista sionista elaborado pelo Vladimir Jabotinsky, expressa na sua doutrina da "Muralha de Ferro", ou seja, a necessidade de se erguer uma muralha de ferro de força militar judaica inexpugnável contra os árabes. A partir daí, o autor faz um apanhado histórico de todas as guerras dos sionistas e de Israel desde o final do século XIX até a Segunda Intifada, no início do século XXI, usando como fontes documentos oficiais do governo israelense e entrevistas com altas autoridades de Israel e do mundo árabe. O resultado é um rico painel do militarismo israelense e de sua agressividade permanente compartilhada indistintamente pela direita e pela dita “esquerda” sionistas.

10. VENTTURI, Luis Antônio Bittar. A água no Oriente Médio: fluxo da paz. São Paulo: Sarandi, 2017. Raro trabalho de hidropolítica, é resultado da pesquisa do geógrafo e professor da USP Luís Bittar Ventturi realizada na Síria. O autor nos mostra como a água é um fator que pode levar tanto à guerra, por ser um recurso muito escasso numa região muito povoada, quanto à paz, caso a administração desse recurso seja compartilhada de forma responsável pelos governos locais. Há muitos dados estatísticos que embasam essa pesquisa fartamente documentada. Esses dados ajudam, e muito, a desqualificar os discursos e os mitos, tanto da direita quanto da dita “esquerda”, forjados no Ocidente, sobre o mundo árabe e as suas “cruéis e sanguinárias ditaduras”.


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