Jornal do Brasil
VAGNER GOMES DE SOUZA*
A memória sobre a Ditadura Militar brasileira (1964 – 1985) voltou ao centro dos debates políticos depois da divulgação de um documento oficial da CIA feita por um historiador. As revelações sobre a acolhida repressiva da gestão do presidente-general Ernesto Geisel amplia as explicações para a continuidade do “extermínio” no aparelho de Estado de organizações políticas como o PCdoB (“Massacre da Lapa”) e do PCB, que teve muitos dirigentes de seu Comitê Central mortos num período em que os grupos de guerrilha não mais atuavam no país. Aliás, por que grupos políticos da esquerda (PCdoB e PCB) que atuavam no marco da resistência democrática deveriam ser enfraquecidos ao extremo?
À medida em que a análise crítica de outros documentos, confrontados com depoimentos da exitosa experiência da Comissão de Verdade, seja revelada, a ditadura militar brasileira ganhará uma melhor interpretação de seu impacto na estrutura socioeconômica de nosso país. O ofício do historiador é repensar o passado para problematizar o presente. Muito percebemos, entre os saudosistas da ditadura militar, a valorização de índices de crescimento econômico e da sensação de “paz e segurança” na sociedade, numa época em que a censura nos meios de comunicação era forte.
A historiografia expõe, junto com a análise dos dados sociais do período de autoritarismo, que nosso inegável crescimento econômico em índices “chineses” foi acompanhado por uma profunda concentração da riqueza. Sugerimos a leitura da contribuição do professor Wanderley Guilherme dos Santos (“Poder e política: crônica do autoritarismo brasileiro” – 1978) para uma visão mais profunda desse impacto da formação de nosso sistema político. Nessa época de elevados índices do PIB, os pobres ficavam mais pobres e a política brasileira ficava mais oligarquizada, o que formou as bases para uma política democrática frágil em nosso país, mesmo após o fim da ditadura militar.
Não nos deixemos enganar pelo sentimento de tranquilidade social, uma vez que as mudanças demográficas estavam em curso, ou seja, a concentração de renda foi acompanhada por elevado processo de migração da população. A abertura do Centro-Oeste para o capitalismo agrário foi feita com elevados índices de assassinatos por motivos de posse da terra e de lideranças indígenas. Os trabalhos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) sobre o período revelam que a “segurança” foi muito seletiva nos tempos do autoritarismo.
Entretanto, ainda há uma narrativa positiva sobre a ditadura militar que não tem base na pesquisa histórica, mas na reprodução de uma ideologia autoritária e economicista. A sociedade se deixa encantar com essa narrativa, pois há uma crise profunda na política, o que acaba fortalecendo algumas saídas de cunho populista. A historiografia não pode ficar em silêncio diante desse grave momento, uma vez que há páginas e páginas de pesquisas históricas que merecem ser reeditadas e debatidas, principalmente nas escolas do Ensino Básico. A democracia é uma conquista para ser alimentada no cotidiano e com a ampliação das novas metodologias de ensino da História.
* Mestre em Sociologia e professor de História
Via - http://www.jb.com.br/
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