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16/03/2018
Curso sobre o golpe de 2016 na UFPA: Entrevista com Zélia Amador de Deus
A doutora em Sociologia já foi reitora da universidade que completa 61 anos de fundação em 2018 e presidiu a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, tendo uma vasta carreira no campo acadêmico-científico e como defensora dos direitos humanos
Foi tão rápida e tão ampla a mobilização de professores dentro das universidades públicas brasileiras que já se tornou difícil acompanhar, em cima do lance, quantos cursos e disciplinas sobre o golpe de 2016 foram abertos desde que o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), ameaçou, no último dia 21 de fevereiro, acionar “AGU (Advocacia-Geral da União), CGU (Controladoria-Geral da União), TCU (Tribunal de Contas da União) e MPF (Ministério Público Federal) para apurar se há algum ato de improbidade administrativa ou prejuízo ao erário a partir da disciplina” optativa oferecida na Universidade de Brasília (UNB), sob a coordenação do cientista político Luis Felipe Miguel. O cenário, que aponta para o cerceamento da liberdade de cátedra e a autonomia universitária, foi agravado depois que o historiador da Universidade Federal de Bahia (UFBA), Carlos Zacarias de Sena Júnior, foi chamado a se pronunciar judicialmente sobre a oferta do curso na instituição.
O mapeamento de universidades que estão oferecendo disciplinas e cursos baseados na ementa do professor Luis Felipe Miguel chegou a 30 instituições e a Universidade Federal do Pará (UFPA) logo fará parte desta lista. Ela se uniu ao movimento nacional e prevê iniciar as aulas do curso livre sobre o golpe de 2016 na primeira semana de abril. São quase 50 docentes de diferentes unidades acadêmicas integrados ao projeto, como a socióloga Zélia Amador de Deus. Ela já foi reitora da universidade que completa 61 anos de fundação em 2018 e presidiu a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, tendo uma vasta carreira no campo acadêmico-científico e como defensora dos direitos humanos. “Nós temos muito claro que se deixarmos acontecer este cerceamento da liberdade universitária, outros atentados virão. Não podemos deixar isso acontecer. É uma questão de responsabilidade e de luta”, justifica.
É neste pedaço do território da Amazônia brasileira e às margens do majestoso rio Guamá, que banha a orla da universidade, que serão ministradas as aulas, conforme os estudos desenvolvidos pelos professores da UFPA em âmbito acadêmico e de acordo com cronograma que deve se encerrar em novembro de 2018. Com semblante tranquilo, Zélia Amador afirma que não há motivos para polêmicas em razão do curso, mas garante que o momento é, sim, de atuar em solidariedade ao professor Luis Miguel.
O que significam liberdade de cátedra e autonomia universitária, pilares de uma universidade pública e que foram ameaçadas pelo ministro da Educação, Mendonça Filho?
Estes pilares estão fundamentados para o exercício de um livre pensamento, e este, por sua vez, é necessário para a produção do conhecimento científico. Não há ciência sem livre pensamento. Essa ideia não se resume somente a um contrato ou a uma matrícula administrativa. A liberdade tem por base a ideia do amor pela emancipação e a não submissão a um regime de conhecimento que busque apagar o debate intelectual. Autonomia e liberdade intelectual dependem de um compromisso forte com uma emancipação pessoal e social. A universidade pública tem a função de garantir este compromisso. Qualquer ameaça ao exercício da liberdade de pensamento, como as realizadas pelo atual ministro da Educação, mostram um temor, diria mesmo um terror pessoal frente à liberdade de pensamento. E nós não podemos recuar ou renunciar à potência produtiva dessa liberdade, sob o risco de cairmos em profunda anomia social e política.
Um curso sobre o golpe de 2016 oferecido por uma universidade pública pode ser classificado como um curso de caráter científico?
A ciência não pode ser neutra, tanto na definição de seus problemas científicos como na busca de um conhecimento que nos permita, coletivamente, encontrar respostas para os problemas que identificamos. Dizer que o saber científico é neutro, dizer, como é de moda, que a escola não pode ter “partido”, significa entregar todo o esforço coletivo de conhecimento para uma defesa da ordem vigente que reproduz injustiças, desigualdades, seletividade social, criminalizações dos vulneráveis e comportamentos “éticos” extremamente duvidosos. Qualquer cientista sério sabe que não existe conhecimento neutro, pois o observador dos fenômenos, enquadrados como científicos, nunca podem ser neutros. Como diria Saussure, o ponto de vista constrói o objeto. Podemos tentar ter certa objetividade como horizonte, mas a expressão de uma “neutralidade” apenas concerne a uma ciência subjugada, presa, escravizada.
Vale enfatizar que o curso “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” organizado pela UFPA conta com muitos pontos de vista. Mais de quarenta e cinco professores de diversas áreas, que vão da Ciência Política, passando pela Medicina, História, Direito, Ciências Sociais, Economia, Serviço Social, Arquitetura e Urbanismo entre outros irão participar do curso, ministrando aulas e realizando mesas redondas. O curso se apresenta de maneira extremamente plural e interdisciplinar, em busca de um objetivo: trazer ao grande público o conhecimento adquirido por cada cientista em suas pesquisas, para que possamos ter um olhar mais qualificado e mais científico sobre o mundo atual.
A proposta é de um Curso Livre e terá como público-alvo não só a comunidade acadêmica, mas também o público em geral. Tratam-se de cientistas que, ricos do acúmulo de anos de pesquisa sobre os temas tratados, irão trazer esse conhecimento ao grande público, com liberdade, autonomia e compromisso científico.
Por que criar na UFPA um curso inspirado na ementa do professor Luis Felipe Miguel?
Estamos vivendo hoje retrocessos e ataques muito fortes em relação aos valores republicanos e democráticos dentro de nosso país. Assistimos todo dia a um processo de criminalização seletiva da liberdade de expressão que atinge quase que unicamente os setores mais progressistas da sociedade brasileira. O fato de o Ministério de Educação pensar em mover uma ação contra um professor de Ciência Política, pelo simples motivo de classificar um fenômeno político como “golpe”, constitui um grave atentado à liberdade de expressão e à autonomia dos docentes em todas as universidades do país. Por isto, a UFPA e mais de 30 universidades federais se mobilizaram em defesa dessas liberdades, em solidariedade ao professor Luis Felipe Miguel. Além disso, podemos observar que essa criminalização da liberdade de expressão apenas atinge a defesa das ideias progressistas. Os conservadores podem fazer a apologia do estupro e da tortura, mas os progressistas não podem falar de “golpe” ou de gênero sem sofrer alguma ameaça, intimação policial ou ação judicial. Há dois pesos, duas medidas. A criminalização do pensamento progressista vai ao encontro de qualquer tentativa de debate democrático no Brasil. Por isto, nos pareceu urgente defender os valores da República e da Democracia. Aliás, a defesa do “pluralismo de ideias e de pensamento” é um dos princípios do regimento geral da Universidade Federal do Pará.
O que se espera com o curso na UFPA?
O curso tem basicamente quatro objetivos. Primeiro, queremos compreender, coletivamente, os elementos de fragilidade do sistema social e político da América Latina e, especificamente, o caso brasileiro. Segundo, trata-se de analisar os processos que levaram ao golpe, tendo como marco o impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff. Terceiro, nos parece urgente avaliarmos o impacto social e político das mais recentes políticas do governo presidido por Michel Temer. Finalmente, queremos avaliar as perspectivas da restauração da democracia política no Brasil, gravemente abalada pelos repetidos processos seletivos de criminalização dos setores progressistas e dos movimentos sociais. Consideramos que é justamente essa a responsabilidade social de uma universidade pública no Brasil de hoje.
Como se deu o processo de mobilização dentro da UFPA?
A UFPA já está mobilizada pelo intermédio do grande número de unidades acadêmicas cujos professores compõem o quadro docente do curso. Mas entendemos que estamos apenas no início deste processo de mobilização. Existe uma demanda forte dos acadêmicos e dos membros da sociedade civil organizada do Pará para a realização deste curso, que se constitui como um contraponto importante às tentativas de criminalização. No final de março, iremos criar outros meios de divulgação e de mobilização, tanto internos quanto externos ao nosso espaço acadêmico.
A localização geográfica da UFPA imprime alguma peculiaridade sobre o curso?
Claro. A Amazônia ainda é uma fronteira importante dos processos de intervenção econômica do país. Nossa região tem uma representação de todas as populações mais vulneráveis do Brasil, indígenas, quilombolas, populações tradicionais, trabalhadores vivendo em situação análoga a de escravo, ataques contra inúmeras formas do viver amazônico e processos de violência de todo tipo: contra as mulheres, contra gays, lésbicas, travestis e transexuais. Além da criminalização da pobreza e o extermínio sistemático de nossa população negra de periferia, que atingiu níveis incompatíveis com qualquer projeto civilizatório e republicano. Todas essas temáticas vão integrar as aulas e mesas redondas propostas à reflexão do público deste curso.
Do início da polêmica com o curso da UNB até hoje não se passaram 30 dias e 28 universidades anunciaram a oferta de cursos e disciplinas. Surpreende essa reação tão rápida? Como se pode interpretar essa reação?
Há uma forte demanda por este curso. Desde que pensamos em organizá-lo, recebemos inúmeras manifestações de pessoas da comunidade acadêmica e de fora da universidade que consideram que a organização deste curso nada mais é de que nossa responsabilidade. Também entendemos que não podemos deixar essa demanda social sem resposta, ainda que signifique uma sobrecarga de trabalho para os docentes que, voluntariamente, participarão do curso. Essa demanda é generalizada em todos os territórios do país, não apenas na Amazônia. E repito: a comunidade acadêmica, docentes e discentes, entendeu muito bem que a tentativa de enquadramento da autonomia do professor Luiz Felipe Miguel enquanto docente e intelectual nada mais é que um atentado às liberdades públicas. Nós temos muito claro que se deixarmos acontecer este cerceamento da liberdade universitária, outros atentados virão. Não podemos deixar isso acontecer. Mais uma vez, é uma questão de responsabilidade e de luta para garantir a liberdade de expressão de todo cidadão e toda cidadã.
Pode-se dizer que a comunidade científica brasileira construiu uma rede espontânea de solidariedade?
Quais as redes de solidariedade que nos restam? Se a universidade pública não pode expressar solidariedade, você acha que ela pode se expressar no mundo privado, onde reina uma concorrência brutal e onde os espaços de construção do pensamento e de deliberação popular estão quase ausentes? Nós, intelectuais, temos também outra responsabilidade. Os trabalhadores nos pagam para que nós possamos ter tempo para ler, para pensar, para debater e produzir conhecimento que possa melhorar as suas vidas no cotidiano. Voltamos ao mesmo princípio: a universidade pública tem compromisso social perante a sociedade brasileira e não pode se poupar de exercer a liberdade que muitos outros não desfrutam para falar e pensar de forma mais livre.
As redes sociais jogaram a favor do processo de mobilização?
Sim. As redes sociais exerceram poder de agenda e de pressão para que respondêssemos à nossa função institucional de garantia do exercício da liberdade de pensamento.
Em que etapa institucional está o curso da UFPA para sua efetiva implantação, abertura de matrícula e início das aulas?
A mobilização foi intensa e os professores e os alunos se propuseram a organizar de modo muito célere o curso. Então, estamos encerrando a organização do curso (o que não é uma tarefa fácil, porque envolve muitos professores de diversas disciplinas e perfis acadêmicos). Devemos iniciar nas próximas semanas as inscrições (abertas à comunidade acadêmica e ao público em geral), e desejamos que as aulas iniciem no início de abril, provavelmente dia 6 de abril. O curso está com duração prevista até o final deste ano.
Créditos da foto: Edson Palheta
Via - https://www.cartamaior.com.br
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