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22/04/2018

2018: o fim da Independência do Brasil

MÁRIO MAESTRI*
Prossegue a ofensiva golpista, vitoriosa em 2016, com a deposição de Dilma Rousseff. Seu segmento dominante, em representação do capital globalizado, sob a direção estadunidense, persegue a construção de uma nova institucionalidade autoritária, tendo como correias de transmissão a alta oficialidade das forças armadas, o Parlamento, a Justiça, a grande mídia.
O capital financeiro nacional desempenha papel fundamental nesse bloco. Persegue-se, assim, a submissão plena da economia, dos recursos e do próprio Estado brasileiro às necessidades do capitalismo em sua fase senil. Na construção da nova ordem, foi salto de qualidade o ataque geral ao capital monopólico nacional, em processo de conclusão, antiga reivindicação do imperialismo USA – empreiteiras, Petrobras, Banco do Brasil, BNDES, JBS, Embraer, etc. Os laços dessas empresas com o petismo facilitou que a ofensiva que sofreram tenha se dado sem oposição das demais facções dominantes do país.

Esse movimento foi precedido pela subjunção da economia nacional, ao longo das últimas décadas, radicalizando a internacionalização da economia; a desindustrialização tendencial; a dependência tecnológica; a dívida pública, etc. Domina crescentemente o Estado nacional uma nova ordem “colonial-globalizada”. De país semicolonial, em que as decisões econômicas centrais eram tomadas no exterior, mas com autonomia ainda que relativa quanto à ordem interna, evoluímos para a situação de Estado dependente ao capital globalizado, também nas questões políticas centrais. As diversas facções das classes dominantes nacionais perdem o comando de fato do país que haviam conquistado nos longínquos anos de 1822-31.

Os núcleos centrais do capital nacional não globalizado, com destaque para o paulista, participaram no golpismo, apoiando o ataque ao PT, a deposição de Dilma Rousseff, a destruição dos direitos do mundo do trabalho [CLT, Terceirização, Previdência, etc.] e a liliputização do Estado [privatizações, PEC do Fim do Mundo, etc]. Porém, eles divergem, em diversos graus, quanto à perda de hegemonia sobre o Estado e à subjunção plena da economia nacional às decisões externas. O imperialismo impõe sua hegemonia sobre eles, incapazes de levantarem projeto autônomo. Há muito, as classes proprietárias do Brasil mostraram-se incapazes e renunciaram a avançar e garantir a independência nacional de fato do país.

Entre a farsa e a tragédia

O alto oficialato das forças armadas desempenha papel central no projeto de submissão imperialista do Estado nacional na esfera econômica e política. Não se trata, porém, de volta a 1964, como comumente denunciado, mas de realidade qualitativamente diversa e mais grave. Após o golpe de 1964, a facção militar castelista [liberal-imperialista] apoderou-se da presidência e das rédeas da economia, expressando fortemente as exigências do imperialismo estadunidense. Pretendia realizar a privatização das grandes empresas públicas e a abertura geral da economia ao capital internacional para, a seguir, devolver em forma controlada o poder à gestão tradicional pelas classes dominantes [poder civil]. Em março de 1967, com a entronização de Costa e Silva, procedeu-se a um golpe no golpe, com o advento de segmento militar nacional-desenvolvimentista e deslocamento do núcleo castelista-imperialista.

A nova regência militar do Estado radicalizou a exploração dos trabalhadores e assalariados; desviou recursos sociais regionais e nacionais para a ampliação da reprodução do capital nacional dominante, em associação com o capital mundial. Ela contribuiu ao surgimento e consolidação de capital financeiro nacional monopólico. Ao contrário do getulismo, o novo padrão de acumulação apoiou-se no mercado e em capitais externos. Tratou-se de movimento que ampliou a autonomia das forças produtivas materiais do país e mesmo, em forma contraditória, a sua autonomia nacional. Recuou, portanto, o caráter semi-colonial do Brasil. Através dos militares, cresceu o controle das classes dominantes nacionais sobre a política interna e externa do país.

Delfim Netto, representante do capital paulista, foi o grande organizador da retomada do projeto “nacional-desenvolvimentista”, agora calçando coturnos. Ele abraçava a orientação burguesa getulista, sem a instância populista, já que a produção-realização de mercadorias nacionais não mais dependia essencialmente do mercado e de capitais internos. O “desenvolvimentismo de coturno” expandiu a esfera estatal bancária e industrial; fortaleceu a ciência nacional; reservou áreas estratégicas ao capital nacional; retomou o projeto atômico; praticou política internacional autônoma, etc. Tudo que o imperialismo não queria. Em meados de 1970, a crise do mercado internacional e forte elevação dos juros internacionais levaram aquele padrão de acumulação ao impasse e a seguir à crise. Era o último canto do galo do nacional desenvolvimentismo, em sua versão autoritária e descolada do mercado e dos capitais internos.

A forte expansão das forças produtivas nacionais durante o período econômico virtuoso da ditadura [Milagre Brasileiro] ensejou importante expansão das classes proletárias e assalariadas, com destaque para os setores metalúrgicos, da construção civil e bancário. Sob o rigor do arrocho, imposto pela necessidade da ditadura de pagar a dívida externa, o novo e forte proletariado construiu a CUT classista e o PT anticapitalista dos inícios dos anos 1980. Por alguns anos, pela primeira vez em nossa história, o mundo do trabalho alcançou autonomia política e ideológica tendencial. A “redemocratização”, em 1985, foi impulsionada pelas lutas sociais e … pelo capital monopólico nacional e internacional, interessados em abiscoitar ou destruir as grandes estatais, como o faria nos governos Collor de Mello [1990-2], Itamar Franco [1993-5] e, sobretudo, Fernando Henrique Cardoso [1995-2003] – CSN Volta Redonda, Embratel, Engesa, Vale do Rio Doce, Telebras, distribuição de eletricidade, etc. As privatizações e concessões continuaram nos governos petistas.

Generais entreguistas

Apoiado pelo alto comando militar, o atual golpismo em consolidação aponta em sentido oposto. Ele avança a subordinação de todas as esferas da economia nacional às necessidades do capitalismo globalizado. Ao contrário do projeto ditatorial impulsionado a partir de 1967, ele sustenta a metamorfose, subordinação e regressão das forças produtivas nacionais e a administração externa de fato do Estado nacional. A retomada da violenta depressão que se abateu sobre o país está se dando e dará de forma lenta e sob o domínio crescente do capital e das riquezas nacionais, com o mundo do trabalho conhecendo desemprego tendencial e salários achincalhados crônicos; ausência do Estado na educação, saúde, segurança; repressão institucional, etc.

Os generais do exército que hoje sustentam e comandam crescentemente o golpismo são global-castelistas [“entreguistas”]. Em diversos pronunciamentos, já propuseram não verem contradição na internacionalização da economia nacional e na própria exploração estrangeira da Amazônia. Interessam-se apenas nas benesses materiais e simbólicas garantidas pela participação na gestão militar e civil do país, em nome do imperialismo. Não contamos mais com o forte núcleo de militares nacional-desenvolvimentistas, interessados na retomada do projeto getulista do Brasil grande potência, em uma versão autoritária e conservadora. Fenômeno que expressa a enorme fragilidade do capital nacional diante do imperialismo.

Ao menos em sua versão mais explícita, a nova ordem “global-militar” não parece receber apoio pleno e incondicional de toda a alta oficialidade das forças armadas. Após o pronunciamento do general Villas Boas, comandante do Exército, pressionando o STF pelo aprisionamento de Lula da Silva, o tenente-brigadeiro Nivaldo Luiz Rossato, comandante da Aeronáutica, pronunciou-se em sentido contrário, no dia 4 de abril, exigindo que oficiais da ativa e da reserva não colocassem suas “convicções pessoais” acima das instituições. Salvo engano, o comandante da Marinha, que se pronunciou também pelo monopólio do ministério da Defesa pelos militares, não realizou declarações explícitas em favor de intervenção militar aberta nos assuntos políticos. Porém, a força militar dominante é o exército de terra.

Ao contrário do comumente proposto, a tendência dominante não é golpe ou intervenção militar explícita semipermanente ou permanente. Tal saída contradita os interesses imperialistas que se mobilizam pela atomização, perda de conteúdo e captura dos órgãos políticos deliberativos e executivos do Estado nacional. A chefia direta e explícita do governo da República pela alta oficialidade das forças armadas criaria – como criou em 1964 – um parlamento informal-corporativo, de generais, sob a pressão direta da massa de oficiais das forças armada. O que constitui um perigo para o imperialismo, sobretudo em um país com o peso econômico e dimensões do Brasil. Uma ditadura militar aberta ou velada ensejaria também oposição não apenas das classes populares difícil de ser controlada sem repetidos banhos de sangue, devido à dimensão e complexidade da nação. Ao contrário de ditadura militar de 1964-85, o imperialismo impulsiona a constituição da alta oficialidade como uma espécie de “poder moderador” contra-contra-revolucionário no cerne das instituições redefinidas do Brasil, ao estilo do período imperial [1822-1889], com direito de intervenção branda nos três poderes. Processo que se radicalizará após outubro de 2018.

Fascismo como substantivo e adjetivo

Pelas mesmas razões, não há também a ameaça de instauração de Estado fascista no Brasil. O movimento fascista promoveu o assalto do Estado por segmentos direitistas organizados, com destaque para a pequena burguesia na acepção clássica e moderna do termo. Ataque efetivado no contexto da incapacidade do Estado democrático burguês de reprimir o mundo do trabalho em ofensiva. Trata-se de movimento apoiado pelos grandes proprietários da cidade e do campo que aceitam a mediação do partido fascista na gestão do Estado como forma extremo de resguardo de seus interesses estratégicos. O monopólio ou a partição do poder com o partido fascista significa concessões das classes dominantes tradicionais, quanto à economia e à gestão do poder, para satisfazer minimamente as classes que sustentam o movimento fascista. O imperialismo, hoje, não se dispõe e não pode nada conceder.

No Brasil, atualmente, não há crise de dominação das classes proprietárias sobre o mundo do trabalho. Nos fatos, o movimento social vive um dos momentos de maior debilidade de sua história recente, com os trabalhadores tendencialmente afastados da arena política. A organização de um movimento e de um Estado fascistas, ainda mais em contexto de absoluta falta de necessidade, se contrapõe ao esforço de submissão nacional ao imperialismo, que milita pela fragilização dos laços, dos poderes e da economia nacional em favor de suas necessidades, como proposto. O imperialismo necessita que os brasileiros assumam a identidade e a essência exclusivas de produtores e de consumidores. E jamais de massas com projetos unitários nacionais de qualquer ordem que seja. Ele milita, nos fatos, para que os brasileiros esqueçam que são brasileiros, com história, passado comum, etc.. Nesse contexto, o fascismo se contrapõe ao imperialismo.

Na acepção frouxa e vulgar da categoria, utilizada comumente como adjetivo, fascista é todo ato de extrema violência direitista – contra os direitos básicos da cidadania; contra a cultura; contra as instituições democráticas, etc. Ataques contra indivíduos isolados; grupos sociais; movimento social; partidos populares, etc. No geral, esses atos expressam o ódio explícito do capital em relação ao mundo do trabalho, quando ele se contrapõe ou ameaça seus interesses. Na República Velha [1889-1930], procederam-se atos de extrema violência e barbarismo contra a população, impulsionados ou apoiados pelos governos oligárquicos federais ou estaduais. As teorias racistas e darwinistas sociais daqueles anos seriam hoje definidas como “fascistas”. Tudo antes que a categoria e o fenômeno social “fascista” tivessem surgido com o mussolinismo e que as relações capitalistas modernas de produção dominassem o Brasil.

Grupos fascistóides como o VPR, MBL, etc. e outras organizações ideológicas neofascistas, militares e civis, são excrescências que subsistem nos poros da sociedade, apoiadas, teleguiadas e exacerbadas, quando necessário, pelo grande capital e pelo imperialismo. Ao contrário, o movimento evangélico fundamentalista constitui fenômeno realmente novo, que poderia ser aproximado a um neofascismo de massa, com claros objetivos da conquista do poder político. Forma auto-sustentada de assalto da economia popular através da disseminação da ignorância e do irracionalismo, ele constitui enorme movimento de massas organizado através de todo o país, no controle de grandes meios de comunicação e com recursos fabulosos. Para além da indicação de voto, o grande empecilho da organização do fundamentalismo evangélico como partido de massa é a politização de suas bases populares e o fracasso inevitável de seus eleitos, quando postos à prova em cargos executivos, como temos visto..

A eleição de Bolsonaro como presidente da República e a formação de um ”partido militar” com viés hegemônico não são também projetos do imperialismo. Por um lado, a alta oficialidade das forças armadas dificilmente aceitaria um oficial de baixa patente e trajetória discutível na presidência da República. Por outro, a constituição de um partido bolsonariano hegemônico milita também na contramão do projeto imperialista de desossificação das instituições nacionais e dissolução dos partidos e movimento ideológicos. O que não significa que Bolsonaro e seus escudeiros não estejam contemplados na articulação do congresso conservador que surgirá após outubro, instrumento privilegiado da imposição da hegemonia imperialista. Conta-se também com Bolsonaro para servir, eventualmente, no segundo turno, como “efeito Marine Le Pen”. Entre Meirelles e Bolsonaro não poucos ingênuos de esquerda votarão “sob protesto” nesse candidato do imperialismo.

Auto-defesa democrática

O assassinato de Marielle Franco; os ataques contra a “Caravana Lula”; a proibição de exposições artísticas, de palestras e de cursos; a retirada de livros de bibliotecas, etc. não são expressões de emergência de movimento fascista que busque a conquista do Estado. São iniciativas lançadas, inspiradas e exacerbadas por facções golpistas, defendidas e justificadas por políticos e pela mídia burguesa e encobertas pelo Estado. A repressão à esquerda e ao movimento social está se dando e se dará sobretudo através de organismos repressivos legais, já existentes e a serem construídos.

A Lei Antiterrorismo (13.260/2016), sancionada por Dilma Rousseff, é apenas mais um instrumento da poderosa parafernália legal que dispõe o Estado burguês contra os direitos democráticos e o movimento social. O prosseguimento do massacre das comunidades populares no Rio de Janeiro; a repressão aos apoiadores de Lula, quando da prisão, em Curitiba; os atentados aos militantes e assentados do MST, etc., estão se dando no geral segundo a interpretação conservadora e golpista da lei. O julgamento, condenação e prisão de Lula da Silva é exemplo icônico dessas possibilidades e disposições. Após as eleições de outubro de 2018, a tendência será a exacerbação em intensidade e em extensão desse movimento repressivo legal.

Nesse sentido, o movimento social e a esquerda devem organizar sua autodefesa contra as agressões físicas ilegais ou que se pretendem apoiadas na legalidade. A frente de defesa deve se dar pela base, com eventuais acordos entre as direções e lideranças dos movimentos, partidos, etc., alvos desses ataques e dispostos a esta iniciativa unitária. A formação de grupos comuns de auto-defesa deve ser um dos objetivos da frente. Não se trata, porém, de alianças políticas, na acepção plena da palavra, com confusão de bandeiras e de programas. Devemos marchar juntos para defender-nos da violência de direita, mantendo-se porém a autonomia de programas.

As propostas programáticas de frente político antifascista em “defesa da democracia” com “programa mínimo”, congelam a mobilização social. Elas restringem o programa político comum às exigências de alguns aliados que, no frigir dos ovos, pouco peso possuem nos fatos. [“liberais e direitistas democratas”, etc.] Não é possível retirar do programa mínimo, para não desagradar a, por exemplo, “pró-capitalistas democratas”, a anulação da contra-reforma trabalhista; a suspensão da PEC do fim do mundo, o aumento substancial do salário mínimo; frentes de trabalho contra o desemprego; a reestatização das empresas privatizadas; o controle da grande mídia; a autonomia do Banco Central, etc. Todas essas reivindicações fazem parte de programa democrático.

Eleições como salto de qualidade

O novo Estado em construção não pode ser plebiscitado periodicamente. Após outubro de 2018, serão radicalizadas as reformas institucionais que já modelam as regras eleitorais, partidárias, de campanha, etc. Tudo será feito para restringir ao extremo a capacidade de expressão, mesmo tênue, da vontade popular através das eleições. Será possivelmente elevada a “cláusula de barreira”, para terminar com qualquer financiamento dos “pequenos partidos”. A extinção legal dos mesmos não é improvável. Serão avançadas as restrições aos direitos democráticos de mobilização, de manifestação e de expressão – determinação da hora e local para manifestações; multas para manifestante, grevistas, etc.; controle da internet, do youtube, etc., através de multas e penas. A introdução total ou parcial do parlamentarismo, para entregar as eleições a um congresso conservador facilmente manipulado, já que formado por parlamentares interessados apenas em seus interesses corporativos e pessoais, é certamente uma das grandes tendências do próximo período.

A reformatação das instituições nacionais e o avanço nas privatizações e imposição da super-exploração dos trabalhadores, assalariados e da população nacional têm, portanto, ponto nodal nas eleições de outubro de 2018, que encerrarão a ordem institucional instaurada com a Constituição de 1988, já em remodelação. O capital globalizado e o imperialismo possuem dois grandes objetivos eleitorais: repetir e ampliar a maioria conservadora-corporativista que viabilizou o golpe de 2016 e eleger um presidente que não seja de oposição. O primeiro objetivo, talvez certamente o mais importante, parece estar já assegurado, devido às profundas transformações conhecidas pela sociedade brasileira nas últimas décadas, com a indiscutível colaboração petista.

A eleição do congresso e do senado se dará no contexto do monopólio total da mídia golpista; de decomposição de enorme parte das direções sindicais e partidárias do mundo do trabalho e da esquerda; da desorganização e fragilidade do movimento social; da repressão da esquerda; do uso e abuso da Justiça Eleitoral; da total inferiorização econômica da oposição, etc. As urnas eletrônicas permitem, caso necessário, a fraude na computação dos votos. A tendência é a reeleição e talvez expansão da bancada evangélica; da bancada do agro-negócio; da bancada do ensino globalizado; da bancada dos transportes intermunicipais; da bancada bolsonariana [“da bala”]. etc.

O segundo objetivo do golpismo consiste na  eleição de um candidato conservador. Entretanto, ele está se mostrando mais difícil de conseguir do que o inicialmente esperado. A longa ação da operação “Mãos Limpas” tupiniquim, orquestrada diretamente desde os USA, objetivava a prisão do principal líder popular, a desmoralização do PT e a cassação de seu registro eleitoral, aniquilando assim o partido ainda visto pela população como expressão da esquerda e do movimento social.

A inesperada reeleição de Dilma Rousseff impôs a sua deposição, tida como mera interrupção no programa definido e implementado com o apoio de mobilizações maciças direitistas, que jamais conseguiram conquistar a participação das classes populares. O movimento golpista contou com uma relativamente fraca resistência ao golpe, em parte devida à radicalização conservadora da administração dilmista. Ele recebeu igualmente o apoio explícito de organizações que se reivindicam da esquerda, que defenderam Moro e a Operação Lava-Jato; negaram o movimento golpista; justificaram a deposição de Dilma Rousseff e a condenação e prisão de Lula, etc. – PSTU, MES, CST, etc. Em geral, esses partidos e movimentos apoiam igualmente as ofensivas internacionais do imperialismo contra Cuba, contra a Venezuela, contra a Líbia, contra a Síria, etc.

O fim do sonho

A destruição do capital monopólico brasileiro e as medidas recessivas aplicadas pela administração Temer ensejaram enorme recessão, necessária ao enfraquecimento dos trabalhadores, para mais fácil implantação do golpe e de seus objetivos. Porém, no contexto da voracidade desenfreada do grande capital, o processo recessivo foi possivelmente além do esperado e a retomada do ciclo expansivo da economia mostrou-se inesperadamente anêmica. Em fevereiro desse ano, a oito meses das eleições, o desemprego voltou a crescer, as vendas no varejo recuaram, a produção industrial segue vivendo seu inferno astral. O prosseguimento da queda da inflação, por inanição da economia, restringe as entradas públicas e pode levar à temida deflação.

A equipe governamental golpista, que assumiu após a deposição de Dilma Rousseff, em nome da moralidade e da boa administração, mostrou-se verdadeira bacante promovida pelos quarentas ladrões do patético Ali Baba guindado à presidência. Não houve esforço da grande mídia capaz de segurar o despencar olímpico da simpatia e do apoio a essas figuras patéticas e execráveis. Quando Lula da Silva beijava a lona e discutia-se a própria cassação do registro eleitoral do PT, como “organização criminosa”, o governo Temer, a profunda e longa crise e a degradação geral das condições de vida da população mostraram-se poderosos viagras, capazes de levantar mortos que se acreditavam semi-apodrecidos.

A indiscutível recuperação do PT e, sobretudo, do prestígio eleitoral de Lula da Silva, apontavam para possibilidade-limite de vitória de Lula da Silva no primeiro turno. Com novas intervenções ad hoc da Justiça golpista e a ameaça explicita do comandante do Exército, general Villas Boas, mais uma vez pisoteou-se a legalidade e as normas jurídicas. Julgou-se, condenou-se e prendeu-se em forma atabalhoada o candidato contemplado com larga maioria relativa pela população brasileira. Mais uma vez, não poucas organizações políticas que se reivindicam da esquerda apoiaram ativa e passivamente a operação golpista. O resto dos partidos de esquerda seguiu em seus projetos eleitorais como se a lisura mínima das eleições não estivesse comprometida irremediavelmente. Fenômeno pouco ressaltado, a prisão de Lula da Silva não causou a esperada explosão de alegria conservadora. As massas que desfilaram exigindo histéricas a deposição de Dilma e a lapidação do PT, mergulharam em verdadeiro êxtase conservador para acordar no inferno de uma depressão econômica sem fim.

O afastamento eleitoral de Lula da Silva descarta a possibilidade de vitória de candidato com forte respaldo popular, mesmo havendo ele já sinalizado sua proposta de nova pactação com o grande capital e com o imperialismo. Sobretudo, abre caminho para a eleição de presidente de direita [Meirelles, Alkimin, etc,], centro-direita [Marina, Joaquim Barbosa, etc.] ou centro-esquerda [Ciro Gomes, etc.], com níveis diversos de flexibilidade em relação ao processo de reformatação institucional do país e sua condução segundo a nova ordem em construção.

Qualquer um desses candidatos não constituiria maior problema para o grande capital e o imperialismo. Ele seria facilmente enquadrado devido ao espaço conquistado pelo imperialismo e o grande capital junto ao alto comando militar, as instituições judiciárias e com a eleição do novo congresso conservador. Um candidato menos identificado ao imperialismo apenas fortaleceria a possibilidade da instauração imediata, após outubro de 2018, de um regime parlamentarista, que esvaziaria a presidência dos seus amplos poderes. Nesse contexto, a cegueira eleitoral da esquerda, embriagada com o sonho parlamentar, contribuirá apenas para a legitimação das sombras da nova ordem que encobrirão o Brasil.

* MÁRIO MAESTRI é historiador, professor do PPGH da UPF. E-mail: maestri1789@gmail.com

Via - https://espacoacademico.wordpress.com






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